Delfim Netto: Legado e Crise da Economia Brasileira

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A Trajetória de Antônio Delfim Netto: O Barítono da Economia Brasileira
A economia brasileira é marcada por diversas figuras que deixaram suas marcas indeléveis na política e nas finanças do país. Uma dessas personalidades foi Antônio Delfim Netto, que, por meio de sua trajetória, se tornou emblemático da complexidade e das contradições do Brasil sob o regime militar. Com um perfil que mistura competência técnica e uma habilidade peculiar para lidar com o poder, Delfim foi um barítono em um cenário econômico repleto de altos e baixos.
O Começo de Uma Jornada
Nascido em 1928, Delfim Netto se formou em Economia pela Universidade de São Paulo (USP), onde se tornaria professor catedrático. Aos 38 anos, foi convidado para assumir o Ministério da Fazenda. Sua nomeação, em 1967, surpreendeu muitos, visto que sua estatura física — 1,60 m e mais de 110 kg — contrastava com as expectativas de um ministro estereotipado. No entanto, sua trajetória no governo teve início em um contexto onde o Brasil buscava estabilidade econômica após um período turbulento.
O "Milagre Brasileiro"
Durante seu tempo no Ministério da Fazenda, Delfim foi uma figura central na implementação do que ficou conhecido como o "milagre brasileiro". Entre 1968 e 1973, o Brasil registrou um crescimento médio do PIB de 11,7% ao ano, impulsionado pelo crédito externo e pela política econômica agressiva que ele e sua equipe conduziram. Para muitos, essa fase de crescimento parecia uma prova de seu talento econômico.
Cenário de Crescimento: O regime militar, em busca de legitimação, usou os altos índices de crescimento econômico para justificar sua permanência no poder. Delfim, soube capitalizar essa situação ao alinhar-se eficientemente aos interesses do governo.
- Críticas e Consequências: Apesar do crescimento, as medidas adotadas por Delfim também geraram críticas. O controle de preços e a indexação de salários baseados na inflação prevista, em vez da real, levaram a um estado de arrocho salarial que teria repercussões negativas no longo prazo.
O Papel do AI-5 e Seus Efeitos
Em dezembro de 1968, Delfim foi um dos ministros a votar a favor do Ato Institucional Número 5 (AI-5), que resultou em repressão política e cerceamento das liberdades individuais. Essa decisão solidificou sua posição dentro do governo militar, mas também trouxe à tona questionamentos sobre a ética de suas escolhas.
Controle e Centralização
Com o delinear do regime autoritário, Delfim ampliou seu poder. Ele aboliu a curta independência do Banco Central, tabelou juros e centralizou as políticas de câmbio, criando um modelo econômico que buscava controlar todos os aspectos da economia.
- Comissão de Monitoramento: Uma de suas inovações foi a criação de uma comissão diretamente ligada ao seu gabinete, responsável por monitorar desde tarifas públicas até o preço de bens essenciais como cimento e petróleo.
A Transição e Crises Econômicas
As promessas de crescimento rápido enfrentaram sérias dificuldades no final da década de 1970. O contexto internacional começou a mudar drasticamente com:
Taxa de Juros nos EUA: O aumento das taxas de juros pelo Federal Reserve, que saltaram de 11,2% para 20% em um único ano, teve um impacto devastador na economia brasileira.
- Crise do Petróleo: A revolução iraniana e a subsequente guerra Irã-Iraque causaram uma disparada nos preços do petróleo, afetando diretamente as exportações brasileiras e o custo de vida.
Efeitos no Brasil
Com a crescente inflação e a redução do crescimento, a economia brasileira se viu mergulhada em uma recessão profunda. Em 1981, o PIB encolheu 4,4%, e o desemprego disparou.
- Movimento Sindical: Ao mesmo tempo, surgiram fortes movimentos de greve, liderados por metalúrgicos em São Bernardo do Campo, que viria a ser encabeçado por Luiz Inácio da Silva, o conhecido Lula. Mais de 300 mil metalúrgicos paralisaram suas atividades, exigindo melhores condições de trabalho e salários.
A Queda do Homem Poderoso
Em meio à crise econômica, a figura de Delfim tornou-se alvo de ressentimento popular. Em 1983, a revista Veja estampou uma capa satírica questionando sua permanência no governo, refletindo o clima de insatisfação.
O Bode Expiatório
Delfim se tornou o "bode expiatório" perfeito da insatisfação popular, e em um tom irônico, pendurou a capa da revista em seu gabinete, afirmando: “Sou o bode expiatório perfeito: sou gordo, feio e vesgo”.
- Carta de Intenções com o FMI: Entre 1983 e 1985, sua equipe firmou seis cartas de intenções com o Fundo Monetário Internacional (FMI), estimando inflação sempre superior à real, criando uma narrativa de ineficiência econômica que se tornariam anedóticas.
A Transformação Política
Após o regime militar e sua sair do Ministério, Delfim não desapareceu da cena pública. Transformou-se em um político influente, e entre 1987 e 2007, foi deputado federal por São Paulo.
Relação com o PT
A reviravolta em sua carreira ocorreu quando estabeleceu uma relação próxima com o novo governo de Lula. Essa aliança representou uma mudança significativa, já que Delfim, uma figura associada aos anos de ditadura militar, tornou-se um conselheiro econômico importante do governo progressista.
- PAC: Programa de Aceleração do Crescimento: Delfim teve um papel fundamental na concepção do PAC, que buscava unir ajuste fiscal com investimento em obras públicas.
Legado e Reflexões
A trajetória de Delfim Netto ilustra a complexidade da política econômica brasileira e seus impactos nas vidas dos cidadãos. Apesar de ter sido uma figura controversa, sua análise e previsões continuam a ressoar.
O Futuro e a História
Décadas depois dos eventos que marcaram sua carreira, Delfim analisou sua influência no cenário econômico brasileiro com uma visão crítica:
A Tempestade Perfeita: Ele cunhou a expressão “tempestade perfeita” para descrever o período de crise que se avizinhava, indicando sua capacidade de leitura do futuro econômico.
- Citações Memoráveis: Em entrevistas, ficou conhecido por frases impactantes, como “Não confio em nenhum governo. Nem quando estou nele.”
Conclusão
Antônio Delfim Netto permanece uma figura emblemática da história política e econômica do Brasil. Sua trajetória revela não apenas os desafios enfrentados em sua gestão, mas também as lições que podem ser extraídas para o presente e o futuro. A Itália não produziu apenas um economista, mas um verdadeiro barítono que, em meio a altos e baixos, cantou a orquestra econômica do Brasil durante um dos períodos mais turbulentos de sua história.
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